Zé Povinho precisa de Milagre

Museu Bordalo Pinheiro, Zé Povinho, Litografia, Álbum das Glorias, Setembro 1882

Está mesmo na massa do sangue sermos assim. Com o que se está a passar nos meandros da Política, mais propriamente com os problemas na Autarquia da Capital (o seu Presidente até está hoje no estrangeiro), com os partidos todos a quererem ir a votos para tomarem conta de uma casa falida, ... a falta de compromisso dos Homens-políticos, ... o que comentam os portugueses quando são questionados... bem...! Hoje foi o dia do debate mensal na Assembleia da República. Paulo Portas voltou, à cabeça do seu partido e estava tão feliz no seu discurso, que bastava ouvi-lo para o sentir. O seu aviso ao Governo foi para a INDEPENDÊNCIA DA TELEVISÃO (TVI). Já Francisco Louçã estava sarcástico quando afirmou que o Político português vê um porco no campo e pensa logo nos dois presuntos... E o Primeiro Ministro, bem, "oh senhor deputado" com a sua voz característica, é o que melhor me lembro.

Tenho um texto guardado há uns tempos, sobre o Povinho, publicado em Notícias Magazine do dia 12 de Junho de 2005. A entrevista é com o historiador e escritor João Medina. Encontrei-o e vou deixá-lo aqui.

“... se Zé Povinho deixou de ser um retrato sociológico realista e verídico – era-o em 1875 e foi-o até meados do século XX - , a verdade é que continua a ser um retrato psicológico, e esse é o lado fascinante. Não nos reconhecemos naquela cara de barba rala e pele curtida, não usamos colete de camponês nem calças de fazenda de má qualidade, mas, por dentro, do ponto de vista psicológico e anímico, o retrato continua a ser verdadeiro, como retrato do nosso modo de ser. Ou seja, já não somos labregos e rústicos como o velho Zé do derradeiro quartel de oitocentos, vivemos sobretudo nas cidades e nos subúrbios, mas o nosso temperamento e personalidade básica continuam a ser os do estereótipo criado há 130 anos por Bordalo Pinheiro. "

“ No aspecto moral do Zé estão uma série de coisas que representam uma certa perenidade do modo de ser português: a apatia, o desinteresse, a inércia, o terrível conformismo moral e cívico, o espírito timorato, arredio ao cogito, o pouco interesse na participação na vida pública, a falta de uma cidadania activa e vigilante, a falta de cultura e de verdadeira educação ou escolaridade, já que o Zé Povinho sabe ler, mas lê muito pouco, para não dizer que não lê nada. Enfim, o Zé não é um homem que se aliste em causas sociais, nas ONGs e outras causas de serviço humanitário. Somos um dos países mais apáticos e menos atreitos a defender causas sociais e humanitárias “

“O Zé Povinho é um homem que tem horror à utopia. A utopia é um risco, é um dos mais interessantes, fascinantes e perigosos jogos intelectuais – foi concebida por um inglês, Thomas More, que foi decapitado pelo seu rei. E o que é a utopia? É a capacidade de transformar um real concreto e dizer que o mundo existente não é o mundo verdadeiro porque há uma felicidade a construir (...) Não digo que o português seja cobarde, politicamente, mas é conformista. Um homem que tem as mãos nos bolsos, como tem o Zé Povinho, aceita tudo, porque ter as mãos nos bolsos é não agir, é pactuar com tudo e com todos, sejam “bufos” da PIDE ou familiares do Santo Ofício. (...) O sorriso, em Portugal, ou é sarcástico, agressivo, vitriólico, sulfúrico – ou é de uma infinita tristeza, mas a tristeza dos vencidos e desistentes. No Zé Povinho há muito de vencido“

“Continuamos a ter comportamentos rudes, agrestes, deseducados e incapazes de verdadeira caridade e generosidade humana. Alguém definia o português como “um homem que conduz o seu carro como um ladrão de automóveis”! Não respeitamos os outros porque nem temos sequer respeito por nós próprios! Esta falta de civismo total é bem a medida da nova burguesia urbana e suburbana“

“O Zé é duplo: por um lado, é de um grande cepticismo; por outro, está sempre à espera da sorte grande que lhe resolva a situação”

“ O português vive permanentemente num estado maníaco-depressivo. Precisa muito do milagre para compensar a falta do normal, do viável. Miguel de Unamuno dizia: se o português acredita no Dom Sebastião, é porque “não acredita” verdadeiramente, ou seja, porque não tem verdadeira fé. (...) Estamos sempre à espera de que solução dos nossos problemas não venha de uma construção colectiva, mas de qualquer coisa de absurdo e de irregular, de explosivo e de inesperado, do milagre, em suma.“

“ A nossa flácida democracia tem funcionado, o que já é prodigioso “

“ (O manguito) é um gesto mágico. Significa um gesto “não” obsceno, linguagem gestual. O que o Zé Povinho está a dizer é isso: eu não quero a albarda, não quero o fisco, não quero o imposto, não quero os sacrifícios que o governo me quer agora impor. Mas porquê? Porque não é um homem dotado de palavra, não tem educação nem letras, não foi educado para usar do dom da palavra, e por isso se exprime através de uma linguagem gestual brutal.“

“ O Zé Povinho não tem sentido de introspecção, de auto-análise. Ele é um homem sem metafísica nenhuma.”

“A vingança, o ódio, o ressentimento azedo e bilioso não são próprios do Zé, nem dos que fizeram ou desenharam o Zé. Porquê? Porque ele não é algoz, é mais facilmente vítima do que carrasco. O Zé não tem vocação para ser carrasco.“

“O Zé Povinho precisa de crescer, de se educar, de se cultivar. Precisaria de mais liberdade, de mais auto-domínio e, sobretudo, de um regime francamente democrático; isto é, feito por ele, e não por salvadores nem por inimigos dele.“

“Enquanto formos Povinho, nunca seremos Povo“

Como lamento não conseguir "escrever" o que me vai na alma, como João Medina o fez, nestas frases, nestes parágrafos.

2 comentários:

Margarida disse...

Olá Guidinhavai ao meu blog que tenho lá uma surpresa para ti
bjs da guida

Anónimo disse...

Olá! Me chamo Samira e sou de Moçambique. Achei muito interessante o Zé Povinho, porque é a maioria de nós: conformistas. Temos de começar a evoluir como seres humanos, intencionalmente, sem violência. Um forte abraço!