Porque voto sim pela despenalização do aborto

Irei escrever. Não me calo. Eu sou uma boa pessoa. Quem me conhece sabe isso. E eu sinto-me boa pessoa. Pelos actos que pratico, não tanto pelas palavras. Como sou precipitada, por vezes falo o que não penso e só depois penso no que disse. Mas se houver razão para tal, torno a falar depois de pensar. E fica o dito pelo não dito. Gosto de uma boa controvérsia, está-me na massa do sangue. Quando ouço o povo, do qual eu faço parte, na rádio, ou na televisão ou na rua, principalmente os mais idosos, muitas vezes penso atónita - estas pessoas têm o direito à sua expressão manifestada em voto! E eles votam! É a democracia em movimento. É o Portugal no seu melhor. Desde sempre que os políticos precisam de manter o povo na ignorância. Assim é manipulado facilmente. Ou para um lado ou para o outro. Ele, povo, não sabe da “coisa“ porque deixou que não lhe fosse ensinada. Não aprendeu e portanto ensina, transmite o que não sabe. E a ignorância perpetua-se. Enquanto se ler "... o Instituto Nacional de Estatística (INE) ainda regista, em 2001, a existência de 44 426 indivíduos analfabetos com dez ou mais anos … no Distrito de Leiria ” em http://dn.sapo.pt/2005/09/28/nacional/ensino_cobre_o_territorio_ainda_anal.htmlensino_cobre_o_territorio_ainda_anal.html , enquanto não for lei o direito e a obrigação à aprendizagem - como sabemos, os analfabetos encontram-se fundamentalmente nos estratos etários mais idosos e pode ler-se em http://www.apagina.pt/arquivo/Artigo.asp?ID=1088 , um pouco da história do analfabetisnmo em Portugal. Enquanto o direito e a obrigação de manter a saúde (por exemplo a obesidade infantil, culpa das grandes empresas instaladas mundialmente e do que nos oferecem como alimento e por culpa dos Pais que não sabem dizer NÃO - como dizem NÃO ao pedido de despenalização do aborto - e se pode ler em http://www.medicosdeportugal.iol.pt/ - “É nos meios urbanos que a obesidade infantil deixa a sua marca mais pesada. No entanto, a ruralidade também não mostra um cenário diferente. As estatísticas dizem que, a nível nacio­nal, 31,5% das crianças entre os 9 e os 16 anos são obesas ou sofrem de excesso de peso. E daqui sobressai uma conclusão: é preciso agir. Caso contrário, a já ameaçada esperança média de vida destes miúdos vai ser ainda mais curta do que aquela que a geração dos pais tem neste momento… ". Os meus impostos irão contribuir para pagar os tratamentos destas pessoas obesas? Claro! Enquanto o direito ao trabalho remunerado não for dignificado - pode ler-se em http://www.apagina.pt/ "foram destruídos em Portugal 141.200 postos de trabalho em quatro profissões - profissões ligadas à agricultura e à pesca, e nos grupos profissionais “operários, artífices e similares”, “operadores de instalações, máquinas e trabalhos de montagem” e “trabalhadores não qualificados”- que concentram mais de metade da população activa portuguesa, o que dá uma média mensal de 11.766 postos de trabalho destruídos nestas profissões, ou seja, 392 postos de trabalho destruídos por dia, incluindo sábados e domingos …” e recebem subsídios de desemprego, para os quais os meus impostos contribuem? Claro! Enquanto o direito ao pão do dia-a-dia e o direito a um teto para nos cobrir não for uma verdade como pode ler-se em http://www.oikos.pt/index.php?option=com_content&task - 1 em cada 5 portugueses vive no limiar da pobreza (21% da população total; 12.4% da população activa (5531.6) ganha o salário mínimo nacional (374,7€); 7,2 % da população activa está desempregada; em 2003, mais de 5000 trabalhadores tiveram o seu trabalho reduzido ou suspenso;26,3% dos reformados recebe menos de 200€/mês de reforma; 147 332 recebem o Rendimento Social de Inclusão (151,84€);79,4% da população activa não terminou o ensino secundário; 45,5% da população, em idade escolar, abandona de forma precoce a escola; Taxa de Analfabetismo, em 2001, era 9,0% da população, 300 mil famílias (8% da população) viviam, em 2001, em habitações sem condições mínimas. Em relação aos dados de 1999 e 2000, há um agravamento de 20 a 25% da situação de pessoas sem-abrigo... " Estes irão continuar a receber subsídios para os quais os meus impostos contribuem? Claro!
Não pode continuar a haver uma lei a penalizar a mulher por decidir não poder ser mãe de mais uma criança, numa determinada altura da sua vida, neste País. Deveríamos lutar desde há muitos anos atrás, por uma Educação Sexual nas escolas. Este tema, transmitido de uma forma científica mas simplificada de modo a passar o conhecimento, seria a 1ª página no livro da evolução para a não prática do aborto e para a maternidade consciente, como se pode ler em
http://www.fcsh.unl.pt/cadeiras/plataforma/foralinha/cyber/www/view.asp?edicao=00&artigo=508cyber/www/view.asp?edicao=00&artigo=508 .
É minha convicção que o referendo não deveria ter lugar. Passaram-nos a batata quente. Há que primeiro resolver os itens acima descritos e mais alguns que agora não escrevo. Pedem-nos para opinar sobre uma Lei que foi elaborada e publicada pelos senhores políticos - a penalização da mulher que pratica o aborto. Há quem misture alhos com bugalhos e a resposta ao referendo pode não ser o que Portugal necessita. O resto da pergunta vem por acréscimo. É muita maldade levar a tribunal uma mulher que passou pelo trauma de abortar. É tão incomodativo para os juízes julgarem, que não há nenhuma dessas mulheres condenadas a cumprir pena de prisão. Mas a Lei continua a existir. A mulher que entra no serviço de urgências de qualquer hospital público por um aborto mal feito, na clandestinidade, está sujeita a ser citada à polícia por quem a assiste. Se não, a Lei não se está a cumprir! Mas quem consegue fazê-lo? Alguns fazem-no. Alguns apontam o dedo em nome de qualquer coisa dentro deles a que chamam consciência. Quem paga estes acidentes assistidos nos Hospitais Públicos? Claro, os nossos impostos. Mas aqui, fico incomodada. Porque se podem evitar. Estes acidentes. Como os outros...
Entre 1998 e 2004, dizem que houve 223 crimes de aborto. (Só?)E quem é o prevaricador? Só a mulher que pediu para abortar, a circunstância existente que a levou a tal resolução, o homem que com ela "engravidou", o “médico” ou a “enfermeira” ou a “curiosa” que cobraram muito dinheiro e que a puseram naquele estado??? Quem? Só ela ou todos eles? Ou todos nós? Deixo-me de mais perguntas. Acho que é indecente esta lei. Beneficia o infractor - o que ganha dinheiro clandestinamente. O que não passa recibo porque não existe para o fisco como profissional. E se mantém escondido, na clandestinidade. É isto que tem que acabar. A clandestinidade. Penso que não posso impor aos outros, o meu código de conduta moral, baseado nas minhas convicções, nas minhas crenças. Se eu não puder estender a mão à mão que me pede ajuda, não posso exigir do Estado a existência de uma lei que mande outro punir e não estender a mão, no meu lugar. Não é certo, não o é na Europa no ano de 2007. Quando assisto manifestarem-se contra o aborto mulheres do meu País, vejo essas mesmas mulheres a não se porem no lugar daquelas que necessitaram de o fazer. Ouço-as falar dos seus impostos - para abortar não! Que modo de ver a coisa! Há tanto por fazer pelas crianças já nascidas. É só passarmos onde elas vivem e dar-lhes a mão. Sabemos onde. As defensoras do não que as estendam também. Mas às que já nasceram, que não têm ninguém que se importe com o bem estar delas. O aborto não é o anticonceptivo. Claro que não. Mas vamos primeiro alargar os nossos conhecimentos, saber onde vivemos, as condições de vida das crianças já nascidas, para não dizermos barbaridades nem sermos incomodados quando as ouvimos. Proliferam as "crianças" abandonadas pelo progenitor nas barrigas das mães e nos primeiros dias de vida extra-uterina. Proliferam crianças maltratadas pelos progenitores, abusadas por quem é pago para tomar conta delas. Esses, casos mediáticos desde há anos, continuam por ser resolvidos. Não ouvimos estes defensores da Vida fazer algo, gritar que os seus impostos não são para gastar impunemente. Os prevaricadores estão em casa passados alguns anos. Alguns ainda se encontram impunes. Porquê? Porque são homens? Ou porque a justiça pode não funcionar? Onde estão os humanistas deste País? Já não se oferecem esses cursos nas nossas Faculdades? Serão precisos só engenheiros, arquitectos, doutores, para melhor servirem na velhice as Katias Guerreiro deste País?

Teremos de nos arrepender nesta geração não tanto das acções das pessoas perversas, mas dos pasmosos silêncios das boas pessoas. (M. Luther King)

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