Solidariedade caprina

Foto de Guidinha Pinto: Prima Laura e os cabritinhos

A ligação da minha Prima Laura com as suas cabras é comovedora além de profissional, claro. Quando alguma das cabras fica sem leite, ela chega os cabritos às outras "cabras paridas". Se estas os rejeitam, faz então biberões de leite, utilizando garrafas de cerveja e tetinas que compra na farmácia em Góis. Depois alimenta-os à mão. É uma trabalheira. Já assisti. Mas quando a natureza vinga, é um gosto vê-los saltar por sobre o verde dos campos. E o prejuízo não é tão grande. Claro que sendo pastora, a relação tem de incluir a vertente "lucro". A última estória desta pastora, passou-se neste Carnaval último. De volta ao curral, depois de abrir as portas para as cabras entrarem, ela deu por falta de duas. Uma delas estava prenha e quase a parir. Apareceu-me na Casinha, a lamentar a sua vida. Que tinha de voltar atrás... que já era noitinha ... que se não as encontrasse, elas morreriam porque estava muito frio e a chover... então vai, se tens de ir, que hás-de fazer, coitadinhas, disse eu. Coitadinha mas é de mim, respondeu-me ela com alguma razão. É a "bida, pensei" !Chovia muito, que Deus a dava. Com alguns lamentos sobre vida que levava, ela teve de voltar pelo mesmo caminho e ir procurá-las. Caminhou com a água a cair-lhe em cima. Sem guarda-chuva, porque não o convém usar na serra, por causa das trovoadas... prefere meter uma roupa grossa e lá seguiu. Mais tarde veio contar-me. Fiz-lhe um café e sentei-me a ouvi-la. Vinha cansada, esbaforida. Disse que as chamou – elas têm nomes. Algum tempo depois, ouviu o berro de uma delas. Seguiu o som e deu com a não prenha, no cimo de um barranco difícil de alcançar. Chamou-a insistentemente, mas a cabra não arredava dali, sempre mééé-mééé. Estava de pé, inclinada, voltada para baixo, como a querer assinalar algum acontecimento. A minha Prima Laura desviou caminho, sempre a chamar pelos animais, até que ouviu mais um berro, outro berro. Encaminhou-se para o som, a chamar pelo nome. Era a cabra prenha, que já não o era porque tinha acabado de parir. Conseguiu alcançá-los sempre debaixo de chuva, e deparou-se com esta cena: Um cabritinho acabado de nascer, a tentar pôr-se em pé e todo a tremer. Ainda deitava fumo. A mãe, mal a viu chegar, berrou e tentou pôr-se de pé, conseguindo-o. Disse a minha Prima Laura pastora que trouxe o "bebé" esperneando, ao colo. Quanto às duas cabras trouxe uma pela corda, que a outra, sendo a mãe, seguiu o filho. E não é que o bichinho sobreviveu?
A minha prima Laura fez o que devia - seria grande o prejuízo se perdesse mãe e filho. É a "bida" de uma pastora.
Mas ao lembrar esta estória é a solidariedade caprina que me comove mais ;)

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